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O projeto anticrime e a prisão em segunda instância

Por Ricardo Torres

 

O Artigo 5º, LVII da Constituição Federal dispõe: “(…)ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

Em seguida surge a pergunta: Por que milhares de acusados estão presos após terem sido condenados em segunda instância, quando ainda havia possibilidade de interposição de recurso?

Vejamos:

Primeiramente é preciso esclarecer que o entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca desse tema foi consolidado provisoriamente em 2016, quando o então Ministro Teori Zavascki desempatou a votação acirrada em plenário, votando a favor da execução provisória da pena.

Diz-se que o entendimento foi consolidado de forma provisória, porque o tema será novamente objeto de julgamento pelo Supremo em 10 de abril de 2019, podendo haver mudança.

Quando o Ministro Teori votou a favor da prisão após condenação em segunda instancia, ele fundamentou seu voto alegando que esse entendimento vigora em diversos países, como Estados Unidos, França e Portugal.

Em verdade, no país Norte-americano há uma grande utilização do plea bargain, que nada mais é do que um acordo feito entre o Réu e o Ministério Público dos EUA. Realizando esse acordo, o réu aceita ser declarado culpado, abre mão de recursos, e é recolhido à prisão desde já. Muitos juristas americanos afirmam que os acusados acabam realizando o acordo com receio de sofrer condenações pesadas após longos julgamentos. O plea bargain está previsto no projeto “anticrime” do Ministro Sérgio Moro, mas será objeto de nossa análise em outra oportunidade.

Já em países europeus como França, citado no voto de Teori, o entendimento em questão já é adotado. Lá os recursos para a Suprema Corte não tem efeito suspensivo, isto é, a condenação na segunda instância já leva ao recolhimento do acusado à prisão.

Já em Portugal, a Constituição contempla o princípio da presunção de inocência, ou seja, o acusado não pode ser preso até que haja o trânsito em julgado da decisão. Porém no país português existem apenas três instâncias, e somente crimes graves, com pena superior a 8 anos, chegam na Suprema Corte, a última instância.

Em outros países europeus, a pena só é cumprida depois de esgotados os recursos, entretanto, diferentemente do que ocorre no Brasil, os réus têm direito a menos graus de recursos, sendo mais célere o trâmite nessa fase do processo criminal.

 

O que pretende o Ministro Sérgio Moro?

 

O anteprojeto do Ministério da Justiça e Segurança Pública, já entregue à Câmara Federal para apreciação dos Deputados, prevê, dentre outras medidas, a consolidação do entendimento pela execução provisória da pena. O Ministro Sérgio Moro, ao falar sobre o tema, alega que apenas concretizará, por meio de lei, o atual entendimento da Suprema Corte brasileira, de que é possível a prisão após condenação em segunda instância. Ou seja, a atual aplicação desse entendimento se dá por Mutação Constitucional. Esse fenômeno, nada mais é do que uma mudança de interpretação de uma norma constitucional, dando a ela outro sentido e alcance. É  utilizado quando uma norma da constituição, criada em um determinado período ou época, precisa ser interpretada de forma diversa, objetivando maior efetividade na sua aplicação.

Para melhor explicar essa situação, lembremos que a Constituição Federal do Brasil foi promulgada em 1988. Naquela época, o combate a corrupção praticamente não existia, e os poderosos que saqueavam o erário dificilmente eram presos ou devolviam o que foi desviado dos cofres públicos, porque os crimes cometidos, em sua maioria, prescreviam antes mesmo da condenação.

Já no atual cenário, e após a deflagração da operação Lava-jato, muitos crimes do colarinho branco foram denunciados, e com o entendimento da prisão após condenação segunda instância em vigor, muitos criminosos que desviaram dinheiro público foram presos.

Muitos dos que são a favor da prisão em segunda instância alegam que todas as provas e fatos do processo são discutidos em primeiro e segundo grau e, por isso, viabilizar a prisão em segunda instância não afrontaria nenhum princípio constitucional. Já os que são contra o atual entendimento, alegam que a prisão em segunda instância fere o princípio da ampla defesa, diminuindo as chances de o acusado se defender em todas as fases do processo.

Uma das possíveis alterações do Código de processo penal brasileiro, se aprovado o projeto anticrime no Congresso, dispõe:

 

“Art. 617-A. Ao proferir acórdão condenatório, o tribunal determinará a execução provisória das penas privativas de liberdade, restritivas de direitos ou pecuniárias, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos. 

  • O tribunal poderá, excepcionalmente, deixar de autorizar a execução provisória das penas se houver uma questão constitucional ou legal relevante, cuja resolução por Tribunal Superior possa plausivelmente levar à revisão da condenação.

 

O parágrafo primeiro desse dispositivo, previsto no projeto anticrime, foi alvo de muitas críticas por parte de quem atua no Ministério Público. Isso porque, o próprio Tribunal de segunda instância competente para decidir pela condenação (a qual poderá levar o acusado à prisão desde já), poderá deixar de executar a pena provisória. Segundo Promotores de Justiça que abordaram o tema em debates no MP de São Paulo, isso permite que o entendimento ora em questão não seja aplicado de forma concreta, permitindo que um ou outro Tribunal de segunda instância não autorize a prisão após segunda instância.

Outro ponto de bastante repercussão acerca do projeto anticrime foi o artigo 133, recebido com muitos elogios por parte de juristas. Ele dispõe:

 

“Art. 133. Iniciada a execução provisória ou definitiva da condenação, o juiz, de ofício ou a requerimento do interessado ou do Ministério Público, determinará a avaliação e a venda dos bens cujo perdimento foi decretado em leilão público. 

  • 1º Do dinheiro apurado, será recolhido aos cofres públicos o que não couber ao lesado ou a terceiro de boa-fé. 
  • 2º O valor apurado deverá ser recolhido ao Fundo Penitenciário Nacional, salvo previsão diversa em lei especial. 
  • 3º No caso de absolvição superveniente, fica assegurado ao acusado o direito à restituição dos valores acrescidos de correção monetária.”

 

Isso significa que os bens do acusado condenado provisória ou definitivamente deverão ser avaliados e vendidos, e os valores arrecadados, salvo as exceções expostas, serão destinados aos cofres públicos ou ao Fundo Penitenciário Nacional.

Essa mudança busca um aproveitamento por parte do Estado dos bens adquiridos pelas práticas criminosas. Muitas vezes, esses bens são apreendidos, e pela demora nos julgamentos dos crimes, acabam dando prejuízos aos cofres públicos, tendo em vista os gastos resultantes de sua manutenção, como é o caso de veículos automotores, motocicletas, aviões etc.

 

Novo julgamento no Supremo Tribunal Federal

 

Está marcado para o dia 10 de abril de 2019 um novo julgamento sobre o tema. Nesse dia, os Ministros do STF decidirão se o entendimento da prisão após segunda instância permanece ou será alterado.

De qualquer forma, muitos juristas alegam que a previsão legal da prisão após segunda instância não deve ser por meio de mudança na legislação infraconstitucional, como objetiva o projeto anticrime de Sérgio Moro. Isso porque, adotando o STF entendimento diverso no dia 10 de abril e, assim, entendendo pela aplicação da pena de prisão somente após o transito em julgado, qualquer norma contrária poderia ser declarada inconstitucional, inclusive a norma contida no projeto.

Prevendo essa situação, especialistas defendem que a mudança seja realizada por meio de Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Segundo eles, uma PEC nesse sentido não aboliria o previsto no art.5º, LVII da CF, apenas conceituaria o termo trânsito em julgado contido nesse dispositivo, complementando-o e prevendo a prisão após condenação em segunda instância. Isso porque a Constituição não define o que é trânsito em julgado, e uma PEC nesse caso seria uma forma de preencher essa “lacuna” e consolidar o atual entendimento de uma vez por todas, acabando com espaços para interpretações contrárias.

De qualquer forma, caso o STF venha decidir pela mudança na interpretação, e adotar o que vinha sendo aplicado antes da mudança de entendimento ocorrida em 2016, o impacto social será imenso, tendo em vista os muitos pedidos de liberdade de acusados que já estão cumprindo pena após terem sido condenados em segunda instância, dentre eles, o ex-presidente da república Luíz Inácio Lula da Silva.

 

Ricardo Torres é Advogado e Consultor do Siman Advogados, escreve semanalmente para o nosso site.